*crônica publicada na Folha de Caxias: 30/11/2012.
O ano do nascimento dele eu desconheço. O que sei é o local: o
menino negro nasceu na acanhada cidade chamada Haiti, no estado do Missouri,
EUA. Mais tarde, em 1955, ele acomodou toda sua vida dentro de uma mala magra e
rumou para Chicago. Arrumou lugar nos fundos de um clube noturno, no West Side.
Sabia se infiltrar. E nas incursões dentro do clube o rapaz negro via no palco
músicos graúdos, gente como Muddy Waters e Howling Wolf. Percebeu que aqueles
caras realmente se divertiam enquanto tiravam blues dos seus instrumentos. Foi
o estopim.
Casou-se cedo. E ganhou um cunhado músico, que o influenciou aos
poucos. Em Chicago, o rapaz negro levava a banda do cunhado para cima e para
baixo. Ajudava a esquematizar o aparato todo e depois (ah, depois) escutava
blues raiz. Mas quando voltava para casa, o rapaz negro se frustrava pelo fato
de não saber tocar fluentemente nenhum instrumento. Então começou a mergulhar
no autodidatismo, na experimentação. Um dos seus primos (Ralph Ramey) ficou
sabendo e disse que eles deveriam constituir a própria banda. “That’s a good
idea, man.”
O rapaz negro convidou seu irmão, que enganava na bateria, para
participar do projeto. Após quatro meses improvisados, já faziam barulho. Certa
noite foram tocar num clube conceituado, onde apresentaram duas músicas. O dono
do lugar lhes ofereceu emprego. Com o emprego, vieram também convites para
viajar – mas a mulher de Ralph Ramey objetou. O rapaz negro e seu irmão
abandonaram o projeto e criaram nova banda, que também durou pouco.
Lá se foi o tempo e outras bandas foram formadas, pelo menos
mais três. Daí o rapaz negro recebeu uma convocação para tocar seu instrumento
(o contrabaixo) com Otis Rush, considerado o 53º melhor guitarrista de
todos os tempos pela revista Rolling Stone. O resto é história. Uma história
com infinitos quilômetros-canções-melancolias-blues.
O ano é 2012. Eu olho para o alto e distingo a lua, que me
parece um abajur insuperável para o blues. Num dos palcos laterais do
Mississippi Delta Blues Festival de Caxias do Sul (palco localizado na porta da
antiga estação férrea), contemplo a voz e o contrabaixo do rapaz negro, Bob
Stroger. Estou sentado nos trilhos do trem, a dois metros do senhor de
terno-gravata-história, e penso em todos os trilhos que Bob Stroger já deve ter
percorrido nas planícies deste mundo. Penso nos meus próprios trilhos.
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