*crônica publicada na Folha de
Caxias: 22/06/2012
Você tem que assoprar com uma espécie de vigor suave, o que não
é nada simples de alcançar. Mas o desafio mesmo é não desafinar quando, ali na
partitura, aparece uma oitava acima: tarefa destinada ao meu dedão
esquerdo (sua única ocupação no ritual todo, aliás). Talvez você não
saiba: ao contrário do esquerdo, o dedão direito é o único
dedo que não participa do rito rítmico. Ele é o dedo burocrático, tem apenas a
função operária de sustentar o saxofone.
Meu ponto fraco está no mindinho esquerdo, já que
são quatro os botões que ele deve supervisionar (o indicador direito também
tem quatro chaves para pressionar, mas acontece que os indicadores são dedos
mais independentes, e os meus são bem desembaraçados). Diferente do esquerdo,
meu mindinho direito, astuto, adaptou-se sem dificuldades: são duas
as chaves sob sua responsabilidade. A adversidade é quando ele pressiona a
primeira dessas chaves. Daí eu preciso sempre fortalecer a intensidade do
sopro: mais potência. Assopramento viripotente.
Escrevo estas linhas na companhia de John Coltrane. Ele está
inquieto, tirando do sax uma poesia intensa e enigmática, com amplitudes e
levezas, acelerações e brecadas. O sax do Coltrane não é igual ao meu. O dele
é tenor, o meu é alto. Há ainda o barítono,
o soprano, o baixo e o contrabaixo, se
não me falha a memória instrumental.
Simbólico e temporário. O saxofone foi uma experiência de
apertados seis meses na minha vida, cujos frutos foram apenas dez músicas,
entre as quais Tears in Heaven, de Eric Clapton, que estou prestes
a assoprar, já que preciso me expressar um pouco, de um jeito ou de outro. Ali
fora chove.
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